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Os 200 anos da Adesão do Maranhão à Independência

Por Sergio Tamer

 

Proclamada a Independência do Brasil em 7 de setembro de 1822, D. Pedro I tinha 23 anos de idade e Cochrane 48 quando este foi designado por Decreto Imperial o Primeiro Almirante da Marinha Brasileira. Sua missão era guerrear com a frota portuguesa, numericamente muito superior, que guarnecia a costa brasileira da Bahia ao Pará, províncias que tinham ligação direta com Portugal e, àquela altura, com as determinações administrativas e políticas vindas das Cortes de Lisboa. Recorde-se aqui que a guerra entre Brasil e Portugal iria durar 3 anos, de setembro de 1822 até agosto de 1825, quando, enfim, é assinado o “Tratado de Paz e Aliança” mediante o pagamento, pelo Brasil, a título de indenização, da vultosa soma de 2 milhões de libras esterlinas.

Lorde Cochrane entra, assim, nesse cenário de guerra para promover a adesão dessas províncias que não aceitavam a causa independentista liderada por D. Pedro. Pelo contrário, as Cortes de Lisboa, instaladas em janeiro de 1821 como decorrência da “Revolução do Porto” (1820), queriam o retorno do Brasil à condição de colônia. E na Província do Maranhão, representando esse movimento de resistência à Independência proclamada por aquele “rapazinho brasileiro”, estava a figura de Frei Joaquim de Nossa Senhora de Nazareth, bispo da Diocese, presidente da Junta Governativa. São Luís (com 13 mil habitantes), Alcântara e Guimarães eram as cidades da Província que ainda não haviam aderido à Independência.

No dia 26 de julho de 1823 Cochrane desponta nas águas da Província e logo Frei Joaquim ordena que o Brigue Infante D. Miguel faça o reconhecimento dessa Nau. Ao dela se aproximar, o comandante do Brigue, Francisco de Borja Salema Garção, verifica ser uma embarcação “amiga” pois ela ostentava, em seu mastro, uma bandeira de Portugal (segundo uns historiadores) ou uma bandeira da Inglaterra (segundo Montello). Aproxima-se mais ainda para fazer uma saudação de praxe quando então percebe que havia caído em um ardil de guerra, não podendo mais fugir ou reagir: Cochrane aprisiona o comandante do Brigue e sua tripulação. Em seguida, o despacha de volta à terra firme, portanto um ofício de intimação à Junta Provisional, para que esta se rendesse e fosse aclamado o Imperador e a Independência do Brasil, sob pena de “romper toda espécie de hostilidade por mar e por terra, até que finalmente se conseguisse o desejado fim de unir aquela amena província ao grande todo do vasto Império do Brasil”.

Na noite do mesmo dia a Junta responde que no dia seguinte irá visitá-lo para aderir prontamente à Independência. Frei Joaquim, com os demais membros do Governo, assumem então o compromisso de que, a 28 de julho, tudo seria feito como o Almirante queria.

E conforme o Diário do Capelão da esquadra de Cochrane, sabe-se como teria sido a cerimônia: “Logo que a oficialidade chegou a terra se dirigiu ao Palácio, onde, achando-se o Senado da Câmara e mais corporações eclesiásticas, civis e militares, leu o Secretário do Governo os ofícios que tinham recebido do Almirante, assim como os que lhe dirigiram, e depois de dar conta do que o Governo tinha tratado com o Lord sobre o importante negócio da Independência se romperam inúmeros vivas na sala do governo à religião católica, ao Imperador, à Independência e à Constituição Brasileira, os quais vivas foram depois repetidos na varanda do Palácio pelo Presidente da Câmara a que respondeu o povo na rua com o maior entusiasmo. Depois deste aparatoso e lisonjeiro ato (de que tive a dita de ser testemunha), se aprazou o dia 1º de agosto para se prestar o juramento do estilo; terminando-se o festejo de hoje com um magnífico jantar que no mesmo Palácio se deu aos oficiais da nau e mais corporações, onde houve várias saúdes a Suas Majestades Imperiais e à Independência do Brasil.”

No dia 10 de agosto de 1823 é empossado o governo provisório da Província, tendo à frente Miguel Inácio dos Santos Freire e Bruce que iria ser destituído, pelo próprio Cochrane, um ano e dois meses depois, quando do seu segundo retorno ao Maranhão, que iria se dar em 9 de novembro de 1824.

Cochrane: manobras astutas que desnorteavam os portugueses

 

A 20 de setembro de 1823, Cochrane deixa São Luís, de volta ao Rio de Janeiro de onde havia partido em 2 de abril daquele ano. Em quase seis meses de combates e perseguições, apresou 78 navios mercantes ou de transporte; 3 navios de guerra; 8 canhoneiras e uma quantidade significativa de propriedades de portugueses. Tudo no valor de 250.00 libras esterlinas, conforme nos relata Vasco Mariz. Para outro historiador e biógrafo do Almirante, Ermakoff, a história poderia ter sido bem diferente devido à grande superioridade da frota portuguesa tanto em número de navios como em bocas de canhão.

Nesse retorno triunfal ao Rio, o Primeiro Almirante recebe do D. Pedro I o título de Marquês do Maranhão “por altos e extraordinários serviços em benefício do generoso povo brasileiro, que sempre conservará viva a memória de tão ilustres feitos”, e é condecorado com a grã-cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul. A seu favor registram-se a expulsão da esquadra portuguesa da costa brasileira e a integração das províncias do Norte e Nordeste ao Império nascente.

O RETORNO DE COCHRANE À PROVÍNCIA DO MARANHÃO

Partindo do Rio de Janeiro em 13 de agosto de 1824, um ano depois da primeira incursão pela costa brasileira, para nova missão do governo central, Cochrane desta feita iria enfrentar a Confederação do Equador, que reunia os estados de Alagoas ao Ceará, os quais pretendiam obter a independência da Região. O pretexto fora a dissolução da Assembleia Constituinte. Houve tumultos no Recife. Mas depois de uma bem-sucedida estratagema, ocorreu a rendição dos insurgentes. D. Pedro I felicitou seu Primeiro Almirante e determinou seu regresso ao Rio de Janeiro. Cochrane, porém, decidiu seguir para o Maranhão mesmo sem a permissão do Imperador pois ali reinava a anarquia e a opressão dos governantes locais, à frente o presidente da província o déspota Miguel Inácio dos Santos Freire e Bruce.

Escreveu o professor Barbosa de Godói que “o estado do Maranhão era verdadeiramente calamitoso. Nada havia de mais baixo e degradante que não se cometesse na província…”. Por conta desse estado deplorável de coisas, importante e expressivo manifesto o Almirante recebe de um grupo de 78 senhoras de São Luís pedindo audiência para exporem-lhe as desgraças da Província e particularmente da capital, em texto que bem resume o descalabro da gestão Bruce:

“As maranhenses abaixo assinadas, da classe das principais do seu sexo ora residentes nesta cidade, tomam a liberdade de dirigir a V. Exa., suas jubilosas felicitações pela sua desejada vinda a esta Província e, por esta ocasião, animam-se a levar à presença de V.Exa. suas humildes e submissas queixas, na esperança de que, sendo benignamente acolhidas, as restituirá ao seu verdadeiro estado de mães, mulheres e filhas, de que têm sido privadas, desde que o Presidente Miguel Inácio dos Santos Freire e Bruce, no intuito de segurar-se neste lugar, tem acendido o facho da guerra civil, pela qual nos tem constituído viúvas com maridos e órfãs com pais, reduzindo-nos à desgraça de não termos quem nos proteja contra toda a espécie de insultos e opressões, nem quem nos socorra com os meios de subsistência”.

Ao final da missiva, após deduzirem em detalhes toda sorte de arbitrariedade infligida à população pelo primeiro governo imperial do Maranhão, elas afirmam:

“Chegou, porém, o momento de se terminarem as nossas calamidades. Segunda vez restaurador da nossa tranquilidade, a Providência nos envia Lorde Cócrane. Nossos clamores foram ouvidos pelo Céu, que não desampara jamais a causa dos inocentes. As nossas lágrimas cessarão talvez para sempre”.

E concluem, exortando os feitos heroicos do Almirante:

“Sim, Exmo. Sr., ao nome de Cócrane, pronunciado sempre com respeito e veneração por nós e por nossos filhos até a última posteridade, uniremos com gosto o epíteto de Pacificador do Maranhão e, não cabendo em nossas fracas possibilidades outro testemunho da nossa constante gratidão, remeteremos à mais remota idade um documento perdurável das altas virtudes de V. Exa. e de nossa sólida felicidade (Maranhão, 10 de novembro de 1824 – com 78 assinaturas).”

Assim, em 9 de novembro de 1824 Lord Cochrane já estava de volta a São Luís quando destitui a junta provisória que havia instalado em 1823; encarrega o Governo da Província ao secretário Manuel Teles da Silva Lobo; assume o Comando Militar-em-Chefe até a normalização dos distúrbios; impede a posse do novo presidente, José da Costa Barros, nomeado por D. Pedro I, enviando-o provisoriamente para o Pará; apresenta a sua requisição à Junta da Fazenda para pagamento do que dizia ser devido à Esquadra… e precisamente aqui começa uma outra história “dentro” da nossa história…

O PAGAMENTO A COCHRANE

A 20 de janeiro de 1825, em ofício ao presidente Lobo, reclamava Cochrane que “lhe fossem entregues os dinheiros e mais propriedades, que pertenceu à esquadra por ocasião da capitulação das autoridades portuguesas do Maranhão”. Total: 424 contos de réis, porém que receberia uma quarta parte: 106 contos, desde que pagos em 30 dias. Fez juntar, ainda, Decreto de S.M.I., de 11 de dezembro de 1822 que autorizara o confisco à Coroa, mas que deveriam ser concedidas à Esquadra conforme documento escrito à mão por D. Pedro I.

Reunida no dia 3 de fevereiro, após algumas evasivas anteriores, a Junta da Fazenda resolveu se manifestar sobre a petição apresentada por Lord Cochrane para o reembolso da Esquadra e deliberou, com os votos contrários de dois membros para que se entregasse dos Cofres Nacionais da Província ao Marquês do Maranhão “a quantia exigida de 106:000$000 réis, como indenização da apreensão feita pelos oficiais e marinhagem da Esquadra nos bens públicos e particulares desta Província, cuja importância montava, segundo a conta que fora presente, em 424:196$461.”

Uma vez efetivado o desembolso, foi o dinheiro distribuído pelos oficiais e a tripulação. Quatro dias depois, Cochrane entregou o comando da Nau Pedro I a David Jewett, embarcou na Fragata Piranga e partiu para a Europa. A viagem feita diretamente de São Luís à Inglaterra ocorreu em face das informações privilegiadas que recebera da Imperatriz Leopoldina, por intermédio da amiga inglesa Maria Graham, de que seria preso pelo Ministério caso retornasse ao Rio de Janeiro. E por que queriam prendê-lo?

“O plano dos ministros (revelou a imperatriz) era, em primeiro lugar, a devolução das presas, com indenização pelos danos causados no curso da guerra. Os chefes da esquadra, depois disso, deveriam ser declarados traidores, por terem atacado as propriedades de súditos de d. João VI, protestando-se que as ordens haviam sido dadas simplesmente para vigiar as costas; suas propriedades seriam confiscadas e eles aprisionados ou submetidos a punição.”

Após a viagem do Pacificador do Maranhão, de regresso à Inglaterra, a Imperatriz, em carta dirigida à sua amiga GRAHAM, dá-lhe ciência, premonitoriamente, de que somente em futuro distante Lord Cochrane teria o devido reconhecimento:

“Fico sossegada e cai-me um grande peso do coração por saber que fizestes chegar a vossa opinião ao vosso insuperável e respeitável compatriota, o qual, creio que infelizmente só tarde demais será estimado como merece. Ao menos fica-me, a mim, a satisfação de não o ter jamais prejudicado.”

Josué Montello, reportando-se a John Armitage, que escreveu “História do Brasil: desde a chegada da real família de Bragança, em 1808, até a abdicação de D. Pedro I, em 1831”, escreve que o Ministério, no Rio de Janeiro, “recebeu com a mais viva indignação a notícia de tais acontecimentos. Sinal de que a Imperatriz Leopoldina, por intermédio de Maria Graham, tinha dado a Cochrane o aviso correto na hora oportuna…”

Trinta anos mais tarde, em agosto de 1855 — ou seja, cinco anos antes de sua morte, Lord Cochrane viu os seus direitos reconhecidos pelo Parlamento Brasileiro, que autorizou o pagamento da importância de 252 contos de réis, restabelecendo, ao mesmo tempo, a pensão e o soldo de Primeiro Almirante.

COCHRANE, HERÓI SEM O DEVIDO RECONHECIMENTO

A respeito de sua atuação entre nós, o Embaixador VASCO MARIZ sublinhou: “a ida de Cochrane ao Maranhão e ao Pará foi decisiva para que essas províncias, então subordinadas diretamente a Lisboa, aceitassem reconhecer o Império. D. Pedro I não tinha como submetê-las e, se continuassem como colônias de Portugal, acabariam caindo nas mãos inglesas, e o Brasil perderia o acesso à Amazônia e seria hoje um país bem menor.” Somente esse fato, que deve ser visto com a grandeza da justiça, o mérito do reconhecimento, e com uma inafastável perspectiva histórica, seria o bastante para justificar a edificação, em São Luís, ao ensejo destas comemorações do bicentenário da Independência, de uma estátua em homenagem ao Pacificador do Maranhão e garantidor de nossa emancipação política!

O “grito do Ipiranga” foi apenas um gesto, simbólico e forte o suficiente para marcar uma nossa fase nas relações entre as duas nações, mas sem o destemor, o prestígio naval e a eficiência estratégica de Thomas Cochrane em expulsar a numerosa frota portuguesa da Costa brasileira, da Bahia ao Pará, não haveria o Tratado de Paz e Aliança firmado em 29 de agosto de 1825, data em que Portugal finalmente reconhece a independência do Brasil.

A criação do Estado brasileiro, centralizado em um governo monárquico instalado no Rio de Janeiro, mediante a manutenção da unidade territorial da antiga colônia, nela incluída a adesão das províncias da Bahia, Pernambuco, Maranhão e Grão-Pará, não foi tarefa fácil e muito menos se resume ao quadro-alegoria de Pedro Américo.  O confronto entre a Corte fluminense e as províncias que apoiavam as tropas portuguesas, como no caso a do Maranhão, foi fundamental para dar forma final ao País que nascia e nesse contexto a ação de Thomas Cochrane terá sido decisiva.

O movimento independentista brasileiro, teve muitos heróis e mártires, anônimos uns, celebrados outros, que lutaram em campo aberto ou escreveram, conspiraram, propagaram ideias, e até perderam a vida pela causa.  Mas não é o soldado de Napoleão, ou o guerreiro de César quem leva os louros da vitória. O comando decisivo de D. Pedro I e de Lord Cochrane, emergiu assim vitorioso e definitivo, assentado que foi no esforço comum de milhares de pessoas envolvidas nesse projeto de País. São duas figuras exponenciais e que devem ser sempre reverenciadas pela extraordinária importância que tiveram no curso da nossa história independentista, e já lá se vão 200 anos!  D. Pedro como fundador da Pátria e Cochrane como garantidor e pacificador do novo e agitado momento que o Brasil passou a viver e por quem o Brasil, na expressão cunhada por Nabuco, “tem uma dívida de gratidão sem fim”.

Verdade que um, não teria tido o êxito que teve sem as condições proporcionadas pelo outro, ainda que se tenham desavindo no final da jornada. É certo, também, que muitas foram as transformações e peculiaridades desse período épico de nossa história, o que nos leva à compreensão das atitudes e protagonismos aqui relatados no devido tempo e espaço em que eles se configuraram.

Pertinente ressaltar, por fim, que não faltaram, nesse processo, três elementos que, mesclados, impulsionam ainda hoje as ações humanas em todas as latitudes: o idealismo, a paixão e o dinheiro. Bem ponderadas as coisas Thomas Cochrane, com mais acertos do que erros, foi um personagem humano e coerente com o seu tempo…

 

*SERGIO VICTOR TAMER é mestre em direito público pela UFPe; doutor em direito constitucional pela Universidade de Salamanca (ES); e pós doutor em Direito pela Universidade Portucalense (PT).  Autor de várias obras jurídicas, dentre as quais “Atos  Políticos  e  Direitos  Sociais  nas  Democracias”  (Fabris Editor, RS, 2005); “Fundamentos do Estado Democrático e a Hipertrofia do Poder Executivo no Brasil” (Fabris Editor, RS, 2003); “Legitimidad Judicial en la Garantía de los Derechos Sociales” (Ed. Ratio Legis, 2013 –ES). É membro da Academia Maranhense de Letras Jurídicas e da Academia Maranhense de Cultura Jurídica, Social e Política. Recentemente publicou, com texto de Josué Montello e de Rossini Correa, o livro “Lord Cochrane e a Adesão do Maranhão à Independência do Brasil” pela SVT Editora (2022).

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