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A REVOLUÇÃO DO PORTO DE 1820 E A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL EM 1822: O QUE FEZ D. PEDRO MUDAR DE POSIÇÃO

Por Sergio Tamer

A Revolução do Porto de 1820 com a instalação das Cortes de Lisboa; o retorno de D. João VI a Portugal, em abril de 1821; e as sucessivas medidas para promover a recolonização do Brasil, como a restrição da autoridade do príncipe-regente delimitada ao Rio de Janeiro; a transferência dos órgãos administrativos; e, por fim, a exigência do retorno de D. Pedro -, levou a Regência a uma situação insustentável. Além do que, os decretos recolonizadores das Cortes foram provocando profunda insatisfação no Brasil. Estava clara a recusa em promover a paridade plena dos dois reinos, como desejavam D. Pedro e José Bonifácio, pois a Cortes demonstravam ser impossível uma monarquia constitucional para a formação de um Reino Unido.

As manifestações de protesto contra a volta do príncipe e contra as decisões das Cortes tomaram conta do Rio de Janeiro. Jornais como o Revérbero Constitucional Fluminense, o Despertador Brasiliense, a Malagueta, além de folhetos e outros impressos, faziam pesadas críticas às medidas tomadas e acusavam, formalmente, as Cortes de quererem (agora já de forma patente), reduzir o Brasil à situação de Colônia. D. Pedro, contudo, iria reagir àquela determinação e já no início de 1822, em 9 de janeiro, quando tinha 23 anos de idade, ele se recusa, altivamente, a obedecer a ordem das Cortes portuguesas de retornar a Lisboa, o que ficou conhecido como o “Dia do Fico”, porém ainda não lhe animava qualquer gesto separatista. Todavia, ao tomar posição contra aqueles que controlavam o seu país natal, abriu espaço para a organização de um movimento que levaria, meses depois, à emancipação do Brasil.

Deve-se, portanto, enfatizar que, até às vésperas do dia 7 de setembro, não passava pela cogitação de D. Pedro separar o Brasil de Portugal.  Mas em torno de D. Pedro e da princesa Leopoldina as forças sociais do país estavam agrupadas. E nesse enfrentamento com as Cortes de Lisboa havia a participação desde maçons – com ideias de inspiração francesa – até homens de grande cultura, como o ministro paulista José Bonifácio de Andrada que, à altura dos seus 59 anos, idealizava o projeto de fazer do Brasil uma grande potência do Hemisfério Sul. Bonifácio vislumbrava uma monarquia constitucional erigida em volta da figura de D. Pedro. A sua idealização levava em conta que a autoridade do príncipe, acrescida da presença mítica do trono, seriam capazes de manter coeso o imenso território nacional, abrindo espaço para as ações voltadas à multiplicação da produção e de suas riquezas.

  DIA DO FICO, A PRIMEIRA RUPTURA – Desde o “Dia do Fico”, D. Pedro tinha dado mostra de estar à altura do papel que a história lhe reservava. Mas a sua governação não ia ser fácil daí em diante. Em inesperado movimento, dois dias depois do Fico, em 11 de janeiro, o General d’Avilez, que comandava tropas portuguesas acampadas no Rio de Janeiro rebelou-se com seus homens. O desejo do militar e de sua tropa era forçar o retorno de D. Pedro à Lisboa.

Nesse período de grande turbulência e instabilidade institucional, no mês de agosto de 1822, D. Pedro vai a São Paulo pacificar os grupos rivais que disputavam o comando político da província. Havia o receio, na corte, de que os motins separatistas se multiplicassem, desmoronando a unidade territorial. Leopoldina recebeu, oficialmente, em 13 de agosto, os poderes da regência do Reino do Brasil. A viagem teria um percurso de quase 600 quilômetros, da sede da corte à capital da Província de São Paulo, tendo início no dia 14 de agosto.    A CARTA DE LEOPOLDINA – Eram tempos de fortes sobressaltos. Leopoldina recebe, então, no dia 28 de agosto, notícias nada auspiciosas de Lisboa. Elas chegaram pelo veleiro Três Corações, e já na manhã de 2 de setembro de 1822, após reunir-se com o Conselho de Estado, redige carta a D. Pedro no que é acompanhada por José Bonifácio.

Sessão do Conselho de Estadoé uma obra de arte do gênero pintura histórica feita por Georgina de Albuquerque em 1922. Retrata a sessão de 2 de setembro de 1822 do Conselho de Estado do Brasil, que precedeu a declaração da independência do Brasil. A obra faz parte da coleção em exposição do Museu Histórico Nacional do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro.

Os documentos traziam uma decisão lancinante para a autoridade do jovem governante: a sua destituição da função de regente, e a anulação de todas as suas recentes deliberações. Mas um mínimo de poder lhe era, com humilhante sarcasmo, assegurado:  a sua autoridade se limitaria, doravante, à província do Rio de Janeiro. Lisboa nomearia os novos ministros (os atuais seriam “investigados”) e comandaria o resto do Brasil. As Cortes haviam atropelado, em aberto confronto, o poder dos Bragança em solo brasileiro com esse violento ultimatum.

Em sua carta, Leopoldina sugere a Pedro proclamar a Independência do Brasil, com a advertência: “O pomo está maduro, colhei-o já, senão apodrece”. Ela urgia com o marido para que voltasse ao Rio e recomendava que acatasse as recomendações do ministro. “Só a sua presença, energia e rigor para salvar o Brasil da ruína”, escreveu a princesa.

As linhas da história haveriam de cruzar a cavalgada de D. Pedro em uma tarde de 7 de setembro. Após subir a Serra do Mar, na sequência de um pernoite havido na cidade de Santos, chegaram a ele dois mensageiros esbaforidos vindos do Rio de Janeiro. Portavam três cartas. Na principal delas, Bonifácio comunicava ao príncipe das últimas e draconianas decisões das Cortes.

A ADVERTÊNCIA DE BONIFÁCIO – “Senhor, o dado está lançado, e de Portugal não temos a esperar senão escravidão e horrores”, assinalou Bonifácio, que seria o principal alvo das investigações já anunciadas pelas Cortes. “Venha, V.A.R., o quanto antes e decida-se, porque irresolução e medidas de água morna para nada servem.” – acrescentou. A REVOLTA DE D. PEDRO – O padre mineiro Belchior Pinheiro de Oliveira, que acompanhava o príncipe na viagem, escreveu que “D. Pedro, tremendo de raiva, arrancou de minhas mãos os papéis e, amarrotando-os, pisou-os e deixou-os na relva. Eu os apanhei e guardei” … O padre descreve ainda que Dom Pedro, depois de caminhar alguns minutos em silêncio, ruminando pensamentos, dirigiu-se exaltado aos que o cercavam:

 “As Cortes me perseguem, chamam-me com desprezo de rapazinho e brasileiro. Pois verão agora quanto vale o rapazinho. De hoje em diante, estão quebradas as nossas relações. Nada mais quero com o governo português e proclamo o Brasil, para sempre, separado de Portugal”.

O alferes Francisco de Castro Canto e Melo, irmão da sedutora Domitila de Castro, futura marquesa de Santos, relata o episódio que testemunhou de forma concisa, mas com muita eloquência. Tendo lido as cartas, o príncipe recolheu-se em silêncio por alguns momentos e depois, indignado, gritou:

 “É tempo. Independência ou morte! Estamos separados de Portugal”.

Outras frases atribuídas nesse momento a D. Pedro são assim enunciadas:

“Tirem suas braçadeiras, soldados! Viva a Independência, a liberdade e a separação do Brasil!”

Ou ainda:

“Pelo meu sangue, pela minha honra, pelo meu Deus, juro fazer a liberdade do Brasil! Brasileiros! A nossa divisa de hoje em diante será – Independência ou Morte!”

Personalidades únicas: D. Pedro, José Bonifácio e D. Leopoldina – Os dois primeiros, como se sabe, eram homens públicos, cujos atos e ideias são conhecidos dos brasileiros. Mas a ação da princesa pela Independência, no albor dos seus 25 anos, terá sido mais discreta, porém não menos decisiva. Mesmo enfrentando os burburinhos da infidelidade conjugal do marido, que afloravam de forma incessante no Rio de Janeiro, dona Leopoldina conservava-se altaneira ao lado de D. Pedro, ciente da gravidade do momento pelo qual passava o Brasil. Era sobrinha-neta de Maria Antonieta, monarquista convicta, e, portanto, com aversão aos movimentos republicanos que lhe traziam à lembrança a guilhotina que decapitou sua tia-avó.

Mulher de vasta cultura e com importantes contatos diplomáticos na Europa, utilizou todo o seu prestígio à serviço da causa brasileira. Foi ela quem, por exemplo, convenceu Bonifácio a aceitar o cargo de ministro, no mês em janeiro, quando era sabido que D. Pedro não cogitava separar os dois reinos. Há quem afirme que ela e Bonifácio, juntos, praticamente escreveram os termos da independência, proclamada no Ipiranga pelo então príncipe regente. Dela pode-se dizer que possuía um excepcional caráter feminino e a quem muito os brasileiros devem.

Portanto, as Cortes que emergiram da Revolução do Porto, de 1820, acabaram por servir como uma espécie de detonador histórico para que a proclamação na Independência brasileira ocorresse da maneira como se deu.  D. João VI, ademais, enfraquecido na sua condição de soberano, propiciou que os laços que ligavam os brasileiros ao monarca e, por meio dele, a Lisboa, fossem se esvanecendo. Tal fato também fez com que D. Pedro ficasse inteiramente à vontade para romper com a subordinação portuguesa, ainda que esse não fosse o seu desejo até o momento em que chegaram as notícias dando conta da sua destituição da regência.

AS RELAÇÕES ENTRE D. PEDRO e D. JOÃO VI – Fato inédito no mundo, a independência de uma nação sendo proclamada pelo filho, contra o pai que era o rei do país dominador e sua pátria de nascimento. Mais incomum, ainda, foi o fato de D. Pedro não haver rompido com o pai ao tomar para si a causa brasileira.   De fato, havia uma frequente correspondência entre o príncipe e sua majestade, que se mantinha a par dos acontecimentos e dos sentimentos deste lado do Atlântico.  Como bom estadista que era, D. João VI sabia, também, dos riscos de fragmentação que corria o Brasil, caso se instalasse aqui, àquela altura, a contagiante era republicana que varria o continente sul-americano, a partir dos Estados Unidos da América. Eis porque, obrigado pelas Cortes a deixar o Brasil, o rei determinou ao filho que assumisse o poder antes que “algum aventureiro” o fizesse. Desta feita, já agora com os “aventureiros” posicionados em Lisboa, D. João percebeu que o futuro da Casa de Bragança e, talvez da própria monarquia, exigia que houvesse um reino independente no Brasil.

O brado do Ipiranga, a Independência do Brasil, foi, assim, uma reação às constantes – e cada vez mais graves – determinações das Cortes de Lisboa. E essa ruptura foi como uma espécie de declaração de guerra, pois Portugal deu mostras de que não iria permitir que a aventura daquele “rapazinho brasileiro” prosperasse.

Pedro de Alcântara (12.10.1798–24.9.1834), então príncipe regente, foi aclamado Imperador do Brasil, no dia do seu aniversário, aos 24 anos de idade, em 12.10 de 1822, e a partir daí, como D. Pedro I, iria começar uma nova história para o Brasil com a fundação do país politicamente independente.


Sergio Victor Tamer, professor e advogado, é presidente e fundador do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP, mestre e doutor em Direito Constitucional. É presidente da Academia Maranhense de Cultura Jurídica, Social e Política – AMCJSP.

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