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O DIREITO PENAL DO INIMIGO, NO BRASIL – por Sergio Tamer

Quando quase todos aplaudiam aquele espetáculo “lavajatista” e o STF, acuado pela força da opinião pública, silenciava, eu me filiei, através do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP, dentre aqueles que se posicionaram contrários à supressão das garantias constitucionais…”

Por Sergio Tamer

 

          Na conhecida teoria formulada pelo professor e filósofo alemão Günther Jakobs (1937), as garantias penais e processuais penais, que são inerentes ao “direito penal do cidadão”, são suprimidas quando se aplica o “direito penal do inimigo”. Parte-se, assim, grosso modo, da ideia central de que os que se propõem a agir de maneira contrária à legislação penal, acabam procedendo de maneira contrária ao próprio Estado e, com esse modo de agir, devem ser encarados como um inimigo, tendo, como consequência, suprimidas algumas de suas garantias fundamentais. Nesse cenário, a insegurança jurídica ganha enorme relevo quando se tenta delimitar, diante de um determinado fato, o “direito penal do cidadão” e o “direito penal do inimigo”. É que, na maioria dos delitos praticados, “direito penal do cidadão” e “direito penal do inimigo” acabariam se confundindo e a aplicação deste conceito só poderia ser efetivada de forma arbitrária, até mesmo em crimes considerados menos graves.

          Mas a questão primeira que se coloca é: quem define esse inimigo? A lei ou os critérios subjetivos do julgador/detentor do poder? O atual momento vivenciado no Brasil pelas decisões do STF, assim como aquelas que em passado recente, como na Lava-Jato – e até as que, um pouco mais distantes no tempo da nossa República, foram tomadas com grande estardalhaço, nos dão bem uma ilustração de como essa teoria, de forma acentuadamente enviesada, vem sendo adotada no Brasil até antes mesmo da sua sistematização pelo professor Jakobs.

          Basta lembrar que no tempo de Floriano ele indagou, em tom de ameaça: Quem dará habeas-corpus ao Supremo? – referindo-se ao julgamento de um habeas-corpus impetrado por Rui Barbosa, em 18 de abril de 1891, em favor de 46 presos de alta patente militar e parlamentares, dentre outros, para em seguida arrematar: “Se os juízes do Tribunal concedessem habeas-corpus aos políticos, eu não sei quem amanhã lhes darão o habeas-corpus de que, por sua vez, necessitarão”. O habeas-corpus foi denegado, sob o argumento de que o estado de sítio autorizava as medidas excepcionais impugnadas…Durante a Primeira República (1889-1930), o quadro predominante era de “inconformidade com a atuação constitucional do Supremo Tribunal e de insólitas agressões aos seus julgados”, conforme assinalou o jurista Seabra Fagundes [1], situação que viria suceder-se na ditadura Vargas e no militarismo de 1964. As retaliações e as punições deveriam ser infligidas aos inimigos políticos que passaram a ser “inimigos da pátria e da democracia”.

          No período da lava-jato, critiquei a ausência do devido processo legal que levou Lula da Silva à condenação, em duas instâncias, assim como a forma como eram estabelecidas as delações premiadas. E o fiz bem antes da revelação, pelo Intercep Brasil, da “combinação de jogada” entre juiz e promotor, mediante a publicação de um apartado da Revista Juris, editada pelo CECGP, intitulada “A Constituição Ultrajada”. Nela, além do meu artigo, constava o de Lênio Streck bem como um judicioso parecer do constitucionalista José Afonso da Silva. Quando quase todos aplaudiam aquele espetáculo “lavajatista” e o STF, acuado pela força da opinião pública, silenciava, eu me filiei, através do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP, dentre aqueles que se posicionaram contrários à supressão das garantias constitucionais. Bolsonaro surgiu pintado de “salvador da Pátria” nessa onda moralista para se contrapor à corrupção atribuída ao lulo-petismo assim como Collor, fantasiado de “caçador de marajás” atacou, de forma virulenta, a natimorta “nova república” da era Tancredo-Sarney. Agora, é Lula quem volta a dar o tom novamente com as rédeas do Poder nas mãos. Bolsonaro, assim como Collor (que no início de seu governo foi penalizado com um processo de impeachment), está sentindo na própria pele toda a extensão do adágio “pau que dá em Chico dá em Francisco”, o que bem demonstra que o “direito penal do inimigo”, versão à brasileira, continua sendo igual para todos os que deixaram o poder ou que, mesmo no poder, têm contas para acertar com os seus adversários, digo, inimigos políticos. Os tempos mudaram, o Legislativo perdeu força, e o Executivo passou a dividir o protagonismo político com o STF que adquiriu, pós Constituição de 88, uma desenvoltura hegemônica. E nessa configuração tupiniquim da teoria de origem alemã, tingida com as cores verde e amarela, Lula da Silva e Alexandre de Moraes personificam o poder, o cabo do chicote, logo, o “direito penal do inimigo” – enquanto Bolsonaro e seus asseclas, colocados na ponta do látego, se enquadram no conceito de “inimigo”. E assim caminha a nossa democracia…

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Sergio Tamer, professor e advogado, é PhD em Direito pela Universidade de Salamanca, e presidente do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP.

 

 

[1] FAGUNDES, Seabra. “As funções políticas do Supremo Tribunal Federal” – Palestra proferida em 13.9.1978, na UNB: Sesquicentenário do Supremo Tribunal Federal, edit.UNB, Brasília, 1982.

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